A milenar arte da Falcoaria em São Chico
O local:
Majestosas, imponentes, misteriosas. São vários os adjetivos que descrevem perfeitamente essas espécies magníficas! As aves de rapina sempre mexeram com a nossa imaginação, tanto que elas ornamentam várias lendas e crenças populares mundo afora, desde os primórdios da civilização. Algumas dessas histórias mistificam e até veneram essas aves carnívoras de olhos avantajados, enquanto outras, infelizmente, as demonizam.
Então, o papel de vilã das lendas humanas sobrou para a pobre coruja. Os romanos acreditavam que elas levavam má sorte e eram capazes de anunciar a morte de alguém, caso sobrevoasse sua casa. Já os povos que habitavam a região do Oriente Médio acreditavam que as corujas pudessem ainda ser prenúncio de guerras sangrentas e outras tragédias, além de representarem as almas das pessoas mortas e não vingadas. Mas nem todas as lendas sobre corujas as conferiam um papel negativo. Para os gregos, as corujas eram símbolo de sabedoria, pelos seus hábitos noturnos, uma vez que eles consideravam a noite como um momento de revelação intelectual. De qualquer forma, em toda a história da humanidade, muitas dessas simpáticas aves de olhos grandes foram caçadas e mortas por habitarem essas crendices. Hoje em dia, elas não são mais caçadas, mas sim associadas a interações entre o mundo espiritual e o mundo físico.
Gaviões, falcões e águias não tinham a mesma fama negativa e injusta das corujas. Ao contrário, a eles, eram atribuídos outros significados, como poder, força e agilidade, qualidades que levaram povos do oriente à prática de criação, domesticação e treinamento dessas aves de rapina, desde meados do século I a.C. A falcoaria, como ficou conhecida, era praticada tanto como auxílio nas caçadas e guerras, como também como um esporte aristocrático, dada a elegância dessas aves. Esta arte atravessou gerações, sendo que em 2010, foi reconhecida pela Unesco como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade.
No Brasil, a prática da falcoaria foi autorizada em 2002, para garantir a segurança em aeroportos. Mesmo assim, são escassos os locais onde se pode ter contato com animais como estes, tão peculiares. Assim, quando ficamos sabendo da existência do Vale dos Falcões, no município de São Francisco de Paula, RS, não pensamos duas vezes e fomos até lá conhecer.
O Vale dos Falcões iniciou suas atividades como um refúgio para a recuperação de aves de rapina, além de criador licenciado de aves para a atuação em aeroportos e com projetos de conservação consolidados, em parceria com a Hayabusa Falcoaria e Consultoria Ambiental. Abriu suas portas à visitação há cerca de 1 ano e hoje, é um parque temático voltado à educação ambiental, excelente para um passeio em família ou até à visitação de cunho pedagógico, para turmas escolares. Enfim, é um programa incrível para quem visita São Francisco de Paula!
Onde fica:
O Vale dos Falcões localiza-se na Estrada da Carapina, 1001, no interior de São Francisco de Paula. Para chegar até lá, saindo do Centro, é preciso seguir pela Avenida Getúlio Vargas, passando pelo Centro de Informações Turísticas, sentido ao trevo da RS-235. Pouco mais de 500 metros após a entrada do Hotel das Araucárias, há uma entrada à esquerda, sinalizada com placas. Depois disso, há mais um quilômetro, numa estradinha não pavimentada e estreita, até a entrada do parque. Ver detalhes
O que fazer:
O Vale dos Falcões é aberto à visitação somente aos sábados e domingos, das 14:30 as 17:00. Durante a semana, atende somente grupos de 15 pessoas ou mais. A visitação requer agendamento. No dia da nossa visita, como chegamos um pouco cedo, esperamos em frente ao portão, até o horário da abertura.
Após a abertura do portão, fomos cordialmente recepcionados pelo Luiz Gustavo, fundador da Hayabusa Falcoaria e idealizador do Vale dos Falcões. Dentro do parque, recebemos as pulseirinhas e algumas instruções. Se a primeira impressão é a que fica, a nossa primeira impressão foi uma vista panorâmica dos vales e da encosta da serra.
Uma vista dessas, com um campo de visão de mais de 25 quilômetros, já valeria o passeio! Mas essa visita reservava muitas surpresas.
O Vale dos Falcões está inserido em um ambiente cercado de vegetação nativa, o que favoreceu o projeto.
Na sede, uma charmosa casa em estilo rústico serve para recepcionar os visitantes. Na ocasião, o restaurante ainda não havia sido inaugurado. No local, ainda são comercializados suvenires, água e refrigerante.
Atrás da sede, algumas aves já aguardavam o horário da apresentação, incluindo uma linda coruja-orelhuda (Asio clamator).
A apresentação iniciou às 15:00, com a demonstração do Falcão-peregrino (Falco peregrinos), o ser vivo mais rápido do mundo.
Ao caçar, o Falcão-peregrino alcança a incrível velocidade de 300 Km/h, atingindo sua presa como um projétil, em um mergulho no ar!
Ver a ave mais rápida do mundo assim, calminha, no braço de um humano, é coisa rara, algo que só uma arte como a falcoaria pode proporcionar.
A segunda estrela do espetáculo foi o pequenino falcão de coleira (Falco femoralis), espécie que habita praticamente todos os biomas brasileiros. Em algumas regiões, ele é conhecido como gavião-pombo, dado o seu tamanho (uma ave adulta chega a pesar, no máximo 340 g). É uma das menores aves de rapina do mundo.
Depois do gavião de coleira, a atração ficou por conta da incrível coruja orelhuda.
Embora seja chamada de orelhuda, as penas erguidas na parte superior de sua cabeça formam apenas um adorno. A verdade é que ela se assemelha muito a um felino, quando vista de longe. Isso ajuda a afugentar possíveis predadores.
A coruja é desconfiada por natureza, mesmo assim, ela parecia à vontade durante a apresentação.
Ainda estávamos vendo a apresentação da coruja orelhuda, quando outra ave apareceu e pousou numa pedra próxima. Parecia estar mais curiosa do que nós!
Essa coruja, uma Jacurutu (Bubo virginianus), é mais uma exemplar da fauna brasileira e também possui falsas orelhas.
Como estava ventando, ela se segurou na pedra com suas poderosas garras, enquanto suas penas eram agitadas.
Quando chamada pelos adestradores, ela não hesitou e se aproximou. Enquanto isso, escutávamos um resumo de sua história.
Essa coruja foi entregue à equipe do Vale dos Falcões completamente debilitada, com ferimento na asa. Como sua recuperação foi lenta, acabou ficando mais acostumada com a presença de humanos.
A verdade é que ela é a coruja mais carismática do parque! Ficava à vontade com os afagos e fazia poses que a fazia parecer ter saído de um desenho animado.
A última coruja da apresentação mais parece uma obra de arte com penas, conduzida pelo adestrador Julian.
A coruja-da-igreja (Tyto furcata), possui outras denominações, dependendo da região. Coruja branca, coruja das torres, coruja tesoureira, graxadeira, rasga mortalha, suindara. Aliás, suindara é um termo Tupi-guarani, que significa "aquele que não come".
Ela é muito comum, habitando praticamente todos os estados brasileiros e mesmo sendo uma ave belíssima, é considerada de "mau agoro". Dizem que seu canto se assemelha com a abertura de uma mortalha. O fato é que tudo isso é lenda, pois essa corujinha, de cerca de meio quilo, é uma das espécies mais benéficas ao homem, por seus hábitos alimentares. Por habitar locais próximos a ocupações humanas, ajudam a controlar a população de roedores nesses locais.
Essa coruja ficou um tanto arredia na presença das pessoas e logo encontrou um galho de árvore para se abrigar e observar o movimento.
No final, tivemos o privilégio de interagir com a Helô e a Jade, duas fêmeas de gavião-asa-de-telha (Parabuteo unicinctus).
A turma que acompanhava a apresentação foi dividida em dois grupos, que ficaram a alguns metros de distância, uma da outra. Fomos convidados a alternar o uso da luva de couro. O objetivo era estimular as aves a voar de um lado para o outro, pousando nas luvas. Para isso, um agradinho era oferecido, no caso, um pedacinho de carne, afinal, ninguém trabalha de graça!
Os pequenos pedaços de carne, colocados sobre a luva, associados a estímulos dos adestradores faziam com que as aves voassem de um lado para o outro, pousando no braço do participante.
Esta foi uma experiência magnífica, sem igual no sul do país!
Neste momento, tive que me virar para fotografar, enquanto interagia com a bela fêmea de gavião.
E elas são bem comportadas: pousam, comem e ficam quietas, observando e aguardando o momento de voar até a outra luva.
Flagrar um exuberante voo rasante dessas aves requer paciência e um cartão de memória com boa capacidade para armazenar os frames. Mas isso é só detalhe!
O importante e que fez valer o passeio é vê-las de perto, mas voando livremente!
Mas também é gratificante vê-las assim, tranquilas.
Em espaço separado, longe da movimentação de pessoas, o parque ainda abriga uma Harpia, a maior águia do mundo. Ela se encontra em fase de reabilitação para a reintrodução ao seu habitat.
A Hayabusa Falcoaria e Consultoria Ambiental é uma empresa voltada para a prática sustentável da falcoaria, recuperação de aves e atividades de educação ambiental. Funciona como uma clínica de recuperação. Para isso, conta com profissionais habilitados. O treinamento e utilização de gaviões e falcões para controle de fluxo de aves em aeroportos é uma de suas principais atividades. Além disso, atua na reabilitação e reinserção de aves ao seu habitat.
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